Foto: Revista ISTOÉ - 10/02/2011 |
Diante disso, vale perguntar: Quem são os índios
isolados? Quais são os efeitos do contato com os grupos isolados? Os índios isolados
estão protegidos? Podem os grupos minoritários sobreviver no isolamento? Querem
os índios viver isolados? Até quando devem viver no isolamento? Essas e outras
perguntas precisam ser respondidas com muita coerência para que os indígenas
brasileiros, depois de 500 anos de dominação e exploração, não continuem a ser
objetos das tendências impostas pela sociedade dominante, em detrimento dos
seus direitos constitucionais garantidos e da manifestação da vontade indígena
sobre o assunto.
QUEM SÃO OS ÍNDIOS ISOLADOS?
A Lei. 6.001 de 19 de dezembro de 1973, que dispõe
sobre o Estatuto do Índio, Art.4.º, diz que os índios são considerados
isolados: “Quando vivem em grupos
desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos
eventuais com elementos da comunhão nacional.”
Essa
terminologia veio substituir os termos depreciativos de índios bravos,
selvagens, arredios, etc., usados até
então para se referir àqueles que ainda estão afastados do convívio com a
sociedade envolvente e do uso dos bens produzidos pela sociedade
industrializada. Segundo os sertanistas da Funai são os que:
Continuam nus no seio da floresta,
vivendo como seus antepassados da caça, pesca, coleta e agricultura de
subsistência. Esses povos autóctones constituem-se em uma mostra viva, a mais
próxima do que foi encontrado pelos descobridores do nosso país. Eles são os
Índios Isolados do Brasil. [1]
Mesmo com o avanço da colonização, há ainda no
Brasil muitos grupos vivendo nesse estágio. No sítio eletrônico da Funai
encontra-se registrado que “o
Departamento de Índios Isolados dispõe de 38 (trinta e oito) informações de
lugares na Amazônia onde é possível a existência de índios isolados...:” [2].
Esses índios têm sido alvo de jornalistas, que gravam suas imagens para
serem reproduzidas, comercializadas e exibidas no mundo todo, e de antropólogos
para a elaboração de suas pesquisas. E, por estarem a maioria deles na região
amazônica, têm sido usados como Lobby dos países mais ricos, para garantir
preservação da floresta amazônica.
Com a proposta de “...garantir aos povos indígenas isolados o exercício de suas
liberdades, de seus territórios, de suas atividades tradicionais e a proteção
do seu meio ambiente.” [3],
foi criado, em 1987, o Departamento de Índios Isolados da Funai - DII, hoje
Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados - CGIIRC. Porém, pela
postura de seus dirigentes, percebe-se que esse departamento surgiu muito mais
orientado pelo “mito do índio isolado” e com objetivos anti-missionários do que
voltado para os interesses e para as necessidades dos indígenas. Ao seu
idealizador e diretor, tem sido conferido títulos e méritos junto à Imprensa e
à Comunidade Internacional, não obstante, às críticas dos antropólogos ao seu
modelo de trabalho e às denúncias de algumas irregularidades praticadas por
esse departamento junto a essas comunidades.[4]
QUAIS SÃO OS EFEITOS DO
CONTATO COM OS GRUPOS ISOLADOS?
O argumento dos defensores do isolamento baseia-se
no fato de que os índios isolados são vulneráveis às doenças viróticas tais
como a gripe, o sarampo e outras que podem levar uma tribo inteira à extinção.
Esse é um assunto inquestionável e tudo deve ser deve ser feito para evitar
esse contágio e, caso aconteça, não medir esforços para ajudá-los a enfrentar
tal situação. No entanto, o que é mais prejudicial ou benéfico para esses
povos: o contato espontâneo, que
resulta de encontros casuais com colonizadores, caçadores e exploradores de
riquezas das florestas ou o contato
programado, realizado pelas “frentes de atração”?
O contato espontâneo
A história nos revela que os primeiros contatos dos
portugueses com os indígenas foram pacíficos. No entanto, a tentativa de
escravizá-los, levou-os a fugir para o interior da selva em busca de proteção.
As expedições armadas, enviadas para aprisioná-los e “amansá-los”, provocaram uma
guerra desigual entre os dois povos, com resultados funestos. Segundo o
escritor, Nilson Lages, inicialmente os Jesuítas se opunham a esse
procedimento, mas em 1556, houve um acordo entre o padre Manuel da Nóbrega e o
Governador Geral, Mem de Sá, para a dominação dos índios, cuja estratégia era “...negociar com as tribos até que houvesse
condições militares de exterminá-las ou capturá-las.” [5]
Isso se deu com os Jurunas no Estado do Pará,
levando-os a empreenderem constante migração, do rio Amazonas ao alto Xingu,
onde foram contatados pelos irmãos Villas Boas em 1949, pois segundo Adélia
Oliveira, “Entre os anos de 1662 e 1667,
o capitão-mor de Gurupá, acompanhado de uma tropa, foi mandado pelo governador
ao rio dos Juruna com o objetivo de apresar índios para depois escravizá-los...”[6]
Com os Waimiri-Atroari, José Porfírio F.
Carvalho, declara que após a fixação de pequenas vilas próximas do seu
território, o governador do Amazonas enviou tropas para pacificar os índios e
proteger os castanheiros, seringueiros e outros coletores, quando”... devem ter morrido mais de 300 índios
entre adultos, crianças e velhos.” Em 1879, como revide a um ataque dos
índios à Vila de Moura, com a morte de dois moradores, nova expedição foi
enviada e para a região, quando “... mais
de 400 índios morreram alvos das balas dos colonizadores.” Ainda em 1905, novo ataque derrubou mais 283
índios e levou 18 deles presos para Manaus, na tentativa de amansá-los à força.[7]
Essa
tendência perdurou até o início do século XX, pois ainda em 1907, o cientista
Herman Von Ibering - Diretor do Museu Paulista, declarou que, sendo os índios
“um empecilho para a colonização das regiões do Sertão que habitam, parece que
não há outro meio de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio”.[8]
Esses
conflitos continuam acontecendo ainda em nossos dias, pois, na década de 1980 ,
um grupo de garimpeiros abriu fogo contra um grupo isolado no Sul do Pará,
causando a morte de 14 índios. Também, na década de 1990, a imprensa relatou o
massacre dos Yanomami em Roraima, resultado deconflito com garimpeiros. Os Corubo,
um dos últimos grupos contatados pela FUNAI, já estavam em franco conflito com
“madeireiros, caçadores e outros interessados na área.” e como resultado disso,
“ocorreram mais de 200 mortes entre índios, madeireiros, ribeirinhos e
caçadores...”, conforme matéria da Revista Manchete em 1996.[9]
As
doenças viróticas, tais como a gripe, o sarampo, a varíola, etc., transmitidas
no contato espontâneo, segundo os estudiosos foram a principal causa da
dizimação desses povos. De acordo com Nilson Lages as mortes ocorridas por essa
contaminação foram consideradas pelos colonizadores e governantes da época como
simples resultado de que os americanos eram mais fracos do que os europeus.
Mas, com o advento da ciência, entende-se hoje que a principal causa era a
falta de anticorpos para resistir à doença.
Percebe-se
então, que os resultados desses anos de contatos espontâneos foram tão
dramáticos que a população indígena, calculada em cinco milhões na época do
descobrimento, segundo Darcy Ribeiro, decresceu para menos de cem mil pessoas,
em 1957.[10]
O contato programado
Uma
nova página na história dos indígenas brasileiros começou a ser escrita, quando
Governo, fundamentado nos ideais positivistas do Marechal Candido Rondon e na
sua vasta experiência de atividades nos sertões, o estabeleceu o “Serviço de
Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, criado pelo
Decreto n.º 8.072, de 20 de julho de 1910” . Nessa época, segundo Darcy Ribeiro,
O que se impunha era uma obra de proteção
aos índios, de ação puramente social, destinada a ampará-los em suas
necessidades, defende-los do extermínio e resguarda-los contra a opressão.
(...) Pela primeira vez era estatuído, como princípio de lei, o respeito às
tribos indígenas, como povos que tinham direito de ser eles próprios, de
professar suas crenças, de viver segundo o único modo que sabiam fazê-lo aquele
que aprenderam de seus pais e que só lentamente poderiam mudar. [11]
As
“frentes de atração”, receberam a responsabilidade de promover o contato com os
índios isolados e prepará-los para o encontro com a sociedade envolvente.
Através de uma estratégia específica e seguindo o lema de Rondon: “morrer se for preciso, matar nunca”,
propunham amenizar os efeitos do contato espontâneo, que porventura estivesse
ocorrendo ou antecipar-se ele. Com o cuidado da saúde, a promoção de contatos
pacíficos e controle de entradas de pessoas despreparadas nas terras indígenas,
fez com que esses povos, que estavam em fase de extinção, voltasse a crescer.
No entanto, nem todo o contato tem sido bem sucedido e isso tem levado o
defensores do “mito do índio isolado” a contestar o trabalho das frentes de
atração.
MAS, POR QUE NEM TODOS OS CONTATOS TÊM SIDO BEM
SUCEDIDOS?
Com base nos relatos dos contatos realizados até aqui,
percebe-se que há vários fatores que têm contribuído para o insucesso desse
empreendimento e que precisam ser corrigidos, tais como:
1. O contato efetivado tarde demais
Por
causa dos conflitos já existentes, muitos dos índios isolados se tornaram hostis
à aproximação de estranhos em seu território e, nessa luta pela preservação,
muitas pessoas têm perdido suas vidas ou sido feridos durante o contato.
Em 1934, Xavantes, mataram a dupla de padres
selesianos João Fuchs e Pedro Sacilotti que havia dois anos tentavam
estabelecer contato pacífico com os índios. Em 1935, (...) foi encontrado morto
um menino de 11 anos de idade, filho de um empregado de outra missão selesiana.
(...) o Serviço de Proteção aos Índios (...) organizou, em 1941, a primeira expedição
para tentar contato amistoso com os índios. Em novembro do mesmo ano, o chefe
da expedição, Genésio Pimentel Barbosa, e cinco auxiliares, foram abatidos
pelas bordunas dos xavantes. [12]
Também,
na revista Atualidade Indígena - Julho / Agosto de 1981, encontra-se registrado
que além de outras pessoas feridas e mortas durante o contato com os Arara do
Pará, quatro servidores da Funai foram gravemente feridos, entre eles, os
sertanistas Afonso Alves e João Carvalho e um índio Wai-Wai que participava da
expedição. Mais recentemente com Corubos, a Revista Manchete, já citada,,
afirma que morreram sete funcionários da Funai, desde 1975” e com os Waimiri
Atroari, segundo José Porfírio, mais de 60 pessoas.[13]
Além
do mais, as primeiras frentes de atração têm sido montadas como medida de
emergência, quando as estradas de ferro, as linhas telegráficas e as rodovias
cortavam os sertões ou quando o contato espontâneo já estava em andamento, como
descreveu Shelton H. Davis e, Eduardo Viveiros de Castro, sobre os os Parakanân
e Kré-Akaróre, Araweté, respectivamente,
Os
primeiros contactos dos Parakanân com agentes da sociedade brasileira ocorreram
no início da década de 50, quando trabalhadores da Rodovia do Tocantins
começaram a derrubar um trecho de floresta em suas terras. Em 1953, o SPI interveio na área e fez a primeira
tentativa de pacificar a tribo Parakanân. estabelecendo um posto indígena e
colocando 190 índios sob sua proteção. Esses primeiros contactos tiveram um
efeito devastador para a tribo Parakanãn. Apenas um ano após sua pacificação
inicial, mais de 50 índios morreram de gripe, e os remanescentes da tribo
Parakanân fugiram para a selva, fora do alcance do SPI..”
(...) Em
1970, o Governo brasileiro revelou que a nova Rodovia Transamazônica atravessaria
o território dos Parakanân. No final de 1970. Agentes da FUNA1 tentaram
pacificar e atrair a tribo Parakanân. Mais uma vez, essa expedição de
pacificação foi desastrosa para a tribo. Imediatamente após sua pacificação 40
membros da tribo Parakanân foram atacados de gripe”[14]
A primeira
tentativa de contato com a tribo ocorreu em 1967, quando um bando Krén-Akaróre
foi visto perto da Base Aérea do Cachimbo. (...) O início da construção da
Santarém-Cuiabá em 1971, deu o impulso final para o contato com a tribo (...)
menos de um ano após a pacificação (...) os Krén-Akaróre estavam espalhados ao
longo da rodovia Santarém-Cuiabá, confraternizando com os motoristas de
caminhão e mendigando comida.” No espaço de um ano a população da tribo Krén-Akaróre
havia sido reduzida de aproximadamente 300 para 135 pessoas. [15]
“-1969 - O
caçador de peles (‘gateiro’) José Darwich, o ‘Zé do índio’, que operava no
Jatobá e Ipixuna, estabelece relações amistosas com os Araweté e leva por duas vezes
alguns rapazes do grupo até as margens do Xingu. Isto chama a atenção da Funai.
(...) 1970 - Começam os trabalhos da frente de atração da funai, chefiada pelo
sertanista Antônio Coutrim Soares. (...) “Maio de 1976 - O sertanista João E. de
Carvalho assume a chefia da frente. Encontra, no dia 29 do 05 cerca de 50
índios (...) junto às roças dos Srs. Edílson e Antenor, camponeses que residiam
num ilha em frente. Os
índios rapidamente adoecem, vítimas de gripe e de conjuntivite infecciosa transmitida por um filho pequeno do Sr.
Edílson, que ia regularmente visitar os Araweté em companhia de J. E. Carvalho.[16](grifamos)
Nota-se que nesses casos
, quando o contato formal foi iniciado, os índios já estavam sendo afetados pelas doenças
dos trabalhadores das estradas e dos colonos que moravam perto de suas terras
ou foram contaminados no pós-contato devido à proximidade das aldeias com os
projetos em execução. Se o contato programado tivesse antecipado ao
contato espontâneo, certamente poderia ter sido evitado tamanha tragédia para
esses povos e não teria morrido tanta gente antes e durante a sua execução.
2. A morosidade no atendimento da saúde dos índios
Infelizmente, grande parte dos servidores que atuam
nas frentes de atração estão ali para garantir seu salário ou para ganhar fama
diante da mídia e da opinião pública em geral e não desempenha devidamente o
seu papel. Além do mais, a burocracia do órgão indigenista, dificulta o
trabalho daqueles que realmente querem ajudar os índios. Shelton Davis (1978)
menciona que o sertanista, Antônio Cotrim Soares, abandonou a Funai aborrecido
com a falta de apoio e cita que numa epidemia de gripe na tribo Jandeavi “... ele enviara uma mensagem urgente à sede da
Funai pedindo suprimentos e médicos, mas estes demoraram mais de 48 dias para
chegar.
Outro funcionário da Funai, que participou de vários
contatos também declarou que a tragédia resultante da epidemia de gripe e
conjuntivite que vitimou os Araweté poderia ter sido evitada se não fosse a
morosidade dos trabalhos, pois, como disse o sertanista Sidney Possuelo, “O grande problema é a falta de cuidado, né.
Havendo antibiótico, da mesma forma que eles ficam rapidamente doentes, eles
também recuperam rapidamente.”[17]
3. A falta de cuidado quanto à contaminação dos índios
Lamentavelmente, muitos servidores
não tomam os devidos cuidados para evitar que os índios sejam contaminados e
por isso as consequências tem sido funestas. Repetindo a informação já citada
sobre os Araweté encontramos o seguinte:
Maio de 1976
- O sertanista João E. de Carvalho assume a chefia da frente. Encontra, no dia
29 do 05 cerca de 50 índios (...) junto às roças dos Srs. Edílson e Antenor,
camponeses que residiam num ilha em frente. Os índios rapidamente adoecem, vítimas de
gripe e de conjuntivite infecciosa transmitida
por um filho pequeno do Sr. Edílson, que ia regularmente visitar os Araweté em
companhia de J. E. Carvalho.[18](grifamos)
Na matéria do Globo Repórter de 19 de maio de 1989,
o jornalista Francisco José que acompanhou a equipe da Funai, na segunda visita
os Zo’é, contatados em 1987 por membros da Missão Novas Tribos do Brasil,
revelou essa falta de cuidado, pois os índios que estavam sendo bem cuidados
pelos missionários, foram contaminados de gripe e conjuntivite, através da
primeira equipe de sertanistas e jornalistas que ali estiveram quinze dias antes,
como segue:
-- Na primeira
missão da FUNAI os Poturu[19]
estavam tão bem de saúde que até realizaram a dança do urubu para saudar os
visitantes.) Pela avaliação médica feita na primeira missão (da Funai) o
estado de saúde era muito bom. Mas nesta segunda visita eles foram encontrados
muito doentes.
4. A
introdução de costumes ofensivos à vida e à cultura indígena
Infelizmente,
nem todas as pessoas que atuam em frentes de atração são devidamente preparados
ou possuem um caráter digno de tal função. Muitos carregam consigo costumes,
altamente prejudiciais aos índios, que são repassados para essas comunidades
através do convívio, coisas inadmissíveis para pessoas consideradas defensoras
dos índios, como descritas a seguir também sobre os Parakanân e Krén-Akaróre.
(...)Durante esses contatos iniciais, tem-se
notícias de que trabalhadores da estrada deram presentes aos homens Parakanân e
violentaram varias índias. Os relatos também davam conta de que agentes da
Funai haviam praticado violências sexuais contra algumas mulheres da tribo.
(...) Em suas investigações médicas, Madeiro descobriu que 35 índias e dois
agentes da FUNAI tinham doenças venéreas...”[20]
Se todo o contato fosse assim, seria realmente uma tragédia. Mas, é
importante separar o joio do trigo e reconhecer que existem homens sérios,
lutando dignamente para promover a paz e o bem estar desses povos e muitos contatos têm sido bem sucedidos,
graças à nova postura adotada
pelo órgão federal e o trabalho realizado pelas missões evangélicas.
QUAL TEM SIDO O PAPEL DOS
MISSIONÁRIOS NO CONTATO COM OS GRUPOS ISOLADOS?
Nos primeiros anos de colonização, os Jesuítas eram
os únicos que se punham ao lado dos índios aprisionados e escravizados.
Inclusive, o Pe. José de Anchieta chegou a aprender o idioma Tupi-Guarani
escrevendo em, 1595, um trabalho conhecido como: “ A arte de Gramática”. Nos anos de 1557 a 1958, estiveram aqui
os protestantes calvinistas que, na pessoa de Jean de Lery, procurou
desenvolver atividades sociais e religiosas junto as grupos indígenas da costa
brasileira, registrando cerca de 2.000 vocábulos de uma língua Tupi-Guarani.[23]
Entre 1630 - 1654, foi a vez dos
Holandeses que, além de sua ação religiosa, organizando algumas Igrejas com
líderes indígenas como Pedro Poti e João Nhandui, tiveram também papel
fundamental na área social, pois, “Desde
o ano de 1641, dois professores índios estavam trabalhando ao lado dos obreiros
espanhol, holandês e inglês”[24] Porém, foram expulsos pelos portugueses
e, somente no século XX, as missões evangélicas de fato se
instalaram entre os indígenas brasileiros.
Essas agências missionárias,
vindo com uma visão social muito mais aberta do que o sistema catequético
adotado até então pela Igreja católica, passaram a colaborar com o SPI na
implantação da nova política indigenista, sendo convidados a participar das
frentes de atração, cuja colaboração foi altamente positiva. É o que se vê no
contato com os Paacas Novos, Yanomami, Zo’é, etc., onde se vê o zelo e a dedicação
desses obreiros da justiça, cujos resultados refletem diretamente a ação de
Deus em suas vidas e nas vidas dos indígenas por eles assistidos.
... Com a base terminada. Em
oração tiveram de Deus a certeza de ser aquele o momento para sair afim de
terem o primeiro contato com os Yanomamy, que se encontravam nas cabeceiras do
rio Marari. Era o ano de 1956. Com Paulo Corenchuc estavam mais dois
missionários: Verner Barkler e o jovem Bing Hare e mais dois índios Yanomamy,
já civilizados, ambos do Rio Guburi, que iriam ser os guias e intérpretes.
(...) Os três ficaram em oração
e depois de longas horas de intercessão e espera, barulho na mata, coração ao
disparando, respiração se alterando, aparecem dez índios totalmente nus,
pintados de preto (...) Através dos intérpretes, explicou-se aos índios a razão
da ida e presença dos missionários ali.
Os Yanomamy demonstraram entender e disseram que queriam que os mesmos
voltassem...” [25]
O último contato realizado por membros
da MNTB, foi com os índios Zo’é, no norte do Pará. Orientados pela experiência
dos seus antecessores, estabeleceram uma Base a cerca de 40 kms da aldeia mais
próxima e de lá saíam na mata a fim de deixar presentes aos índios em
demonstração de amizade. Não demorou muito para que os índios se aproximasse e
estabelecessem eles mesmos um contato pacífico, conforme está registrado no
relatório a seguir.
... enquanto
estávamos limpando uma caça que havíamos apanhado, os índios apareceram. Eram
dois homens e uma mulher que tentavam se comunicar por palavras e gestos. Foram
trocados alguns presentes; demos uma parte da caça a eles, e retiraram-se
pacificamente, embora esse encontro tenha ocorrido de forma inteiramente
inopinada. Duas horas depois os índios apareceram no nosso acampamento na beira
do Igarapé “dos Índios.
Novembro de 1987
chegou trazendo gratas surpresas. Um grupo de índios apareceu na base ficando
por alguns dias apenas e retirando-se novamente. Nessa ocasião foram realizadas
trocas de ferramentas que lhes seriam úteis, como terçados, enxadas, machados e
outras coisas. Alguns estavam doentes com febre alta, dor de cabeça e no
abdome, recebendo, dos missionários, as primeiras medicações.” [26]
O fato desses contatos terem
ocorrido pacificamente tem uma explicação que muitos não entendem ou não quer
entender. Ao contrário da maioria dos servidores, os missionários não estão ali
para ganhar um bom salário e obter fama, pois são muitas vezes perseguidos e
caluniados pelos opositores da pregação do Evangelho. O que move suas vidas é o
amor de Deus pelos indígenas e o que norteia suas ações são os princípios da
Palavra de Deus que os ensina a amar e a respeitar o próximo. Somente pessoas
de caráter aprovado por Deus e pelos homens são recomendados a participar de
tão importante tarefa. E, acima de tudo, seguem na dependência de Deus, que os
protege e dirige todos os seus passos.
No
caso dos Zo’é, logo após os primeiros contatos, os missionários faziam
revezamento de aldeia em aldeia para tratar a malária que já assolava os índios
e a gripe, contraída só depois de um ano desse relacionamento e quando estavam
em condições de atendê-los adequadamente. Assim, a população que estava em
processo de extinção antes da chegada deles, cresceu de 119 pessoas para 136 em
04 anos, graças à dedicação dessas pessoas, como atestou o primeiro médico da
Funai, que visitou a tribo em 1989.
No dia 22.02.89, nos deslocamos para
Santarém com a finalidade de fazer um levantamento das condições da assistência
prestada pela Missão Novas Tribos do Brasil aos índios (...) Examinamos todos
os índios que estavam na missão e concluímos que todos estavam em regular
estado de saúde; alegres, dispostos, brincalhões. (...) Achamos que o trabalho que vem sendo realizado pela missão é muito
sério e que eles merecem um reconhecimento pelo amor e dedicação que têm para
com os índios. (grifo nosso)[27]
Não obstante a todos os problemas
enfrentados pelas frentes de atração, os resultados ainda têm sido positivos e a
população indígena que estava sendo extinta, devido aos conflitos e as doenças
decorrentes do contato espontâneo, retomou o seu crescimento ao contrário do
que vinha ocorrendo ao longo do tempo. Dessa forma, o número de indígenas que, segundo alguns
dados estatísticos, havia decrescido de 5 milhões para 99.700 pessoas em 1957, retomou
o seu crescimento e hoje, segundo dados do IBGE,
são mais de 800.000, um crescimento médio de quase 800 % num período de
60 anos. No entanto, a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados
da Funai tem adotado a estratégia de não mais efetivar o contato, a não ser que
esses índios estejam “seriamente” ameaçados o que poderá ser tarde demais para
muitos desses grupos ainda isolados.
MAS, OS ÍNDIOS
ISOLADOS ESTÃO REALEMNTE PROTEGIDOS ?
Surpreendentemente, um Procurador da República, ao
impetrar um “Mandado de Segurança” contra a Presidência da Funai sob a acusação
de omissão em proteger uma área indígena, fez a seguinte declaração: “Índios isolados são populações equilibradas que deixadas em paz, sem
interferências, tem perpetuada a sua existência. A vida dos índios isolados
está melhor acautelada se mantido o isolamento, ao invés de mantido o contato.”
[28]
É provável que o nobre Procurador não tenha lido os
trabalhos de renomados antropólogos como, Darcy Ribeiro, Carlos A. Moreira
Neto, Charles Wagley, cuja obras revelam que os índios isolados não estão
isentos de influências de outras civilizações e nem imunes às doenças
contagiosas, como se pode observar em suas declarações a seguir.
É improvável que subsista hoje um só
grupo inteiramente indene de influências da civilização, pois mesmo aqueles
ainda não alcançados pela sociedade nacional já sofreram sua influência
indireta, através de tribos desalojadas e lançadas sobre eles e de bacilos,
vírus ou artefatos que, passando de tribo a tribo, alcançaram seus redutos. [29]
Também as comunidades de índios tribais
sofreram problemas de natureza semelhante, agravados pela rápida disseminação
da varíola e outras enfermidades por Cabanos e outros refugiados nas matas e
que contaminaram grupos muitos distanciados das áreas de ocupação
nacional." [30]
Além disso, um grupo indígena, tal como
os Tapirapé, não carecia entrar em contato direto com os ocidentais para
adquirir tais doenças; muitas vezes, foram infectados através de contatos
casuais com outros grupos indígenas, que já tinham sido anteriormente
infectados. Isto ocorreu, provavelmente, com os Tapirapé: ficaram expostos a
novas doenças, antes mesmo do contato
direto com a civilização." (Grifo
nosso) [31]
Com o avanço da colonização e as incursões de castanheiros,
seringueiros, caçadores e garimpeiros nas selvas brasileiras, dificilmente
iremos encontrar um grupo de índios que não teve nenhum contato com elementos
de nossa civilização ou com outros grupos indígenas já contatados.
Na revista “Brasil Indígena”,
publicada pela Funai, o jornalista, Mário Moura, revela que os Yanomami, tiveram
contatos esporádicos com elementos da sociedade envolvente dezenas de anos
antes do contato formal com as missões religiosas e com o órgão SPI. Segundo
ele:
Datam de 1787
os primeiros sinais de presença dos Yanomami nas regiões onde ainda hoje se
encontram.” E só, “A partir de 1950 (...) começam a ser instaladas na área as primeiras
missões protestantes e católicas e, os primeiros postos do então SPI. [32]
Também os Zo’é, mesmo vivendo numa das regiões mais
distantes e de difícil acesso, devido às inúmeras cachoeiras existentes naquele
rio, mantinham encontros casuais com caçadores, coletores e exploradores dos
rios Cuminapanema e Erepecuru, conforme os relatados transcritos a seguir e os
escrito dos antropólogos Dominique Tilkin Gallois e Luís Donizete Benzi
Grupioni:
• O Sr. Virgílio, velho mateiro residente
na cidade de Oriximiná, nos relatou que no ano de 1956 subiu o rio Erepecuru,
ou Paru do Oeste, e encontrou um grupo indígena: ‘Eram índios claros e que
tinham como peculiaridade um enfeite de pau enfiado no lábio inferior. Chegamos
a gritar para eles, que estavam acampados. Os índios correram e, depois de
examinarmos o acampamento, fomos embora’. (...)
• O Sr. Raimundo
Arnolfo, residente na cidade de Alenquer, nos contou que o igarapé conhecido
como “igarapé dos Indios”, afluente da margem direita do rio Cuminapanema, é
assim chamado exatamente porque sabe-se há muito da existência de um grupo
indígena em seus arredores; que ele entrou muitas vezes naquele igarapé e,
achando vestígios claros e recentes dos índios, retomou. O Sr. Raimundo ficou
acampado na bifurcação de um igarapé, que chamou de “Encruzo”, conhecido pelos
zo’é como Sarapejuk, distante da aldeia
Ki’eporohu aproximadamente duas horas a pé. (Grifamos)
Em 1975, Chaves coordenava uma
equipe do Idesp que realizava mapeamento e pesquisa mineral para o projeto
Curuá-Cuminapanema (...) encontrou uma clareira que poderia ser usada para
pouso. Ao aproximar, descobriram que se tratava de uma aldeia, com três casas
grandes...[33]
... mesmo que tenham
estabelecido, por sua própria iniciativa, relações de convivência permanente
com o posto assistencial há apenas sete anos, os Zo’é já haviam experimentado
contatos ocasionais com castanheiros e caçadores de pele há pelo menos 50 anos.[34]
Provavelmente foi em decorrência
desses contatos casuais, que os Zo’é contraíram malária e, quando contatado
formalmente, esse grupo já estava num processo de extinção e sua população,
reduzida a apenas 119 pessoas. O mesmo
deve ter acontecido com os Corubo, pois o jornal, O Estado de São de 19/06/98,
registrou que no primeiro contato os sertanista detectaram que:“Um menino está com malária e uma menina,
com suspeita.”
Diante disso, percebe-se um tremendo paradoxo na
política de proteção aos isolados, adotada pela Funai. Conforme matéria do
jornal, “Correio Brasiliense” de 31 de outubro de 1999, o sertanista Sidney
Possuelo entrava de três em três meses na mata para identificar novos povos
indígenas e teria colocado“... equipes em
pontos estratégicos da mata, próximo dos locais onde desconfiava da presença de
nativos, mas proibiu-as de fazer contato.” Também disse que os nativos os “... vêem na mata, ou se aproximam de algum posto
da Funai”. Se essas pessoas são
vistas pelos índios e estes se aproximam de algum posto, não estarão eles sendo
contatados e correndo o risco de ser contaminados por algum vírus do “homem
branco”? Se apenas chegam perto, mas
não lhes dão a assistência médica necessária ao pós-contato, terão os indígenas
condições de sobreviver se forem infectados por essas doenças?
E as guerras intertribais?
Outra causa de instabilidade de grupos isolados é a
ocorrência de guerras intertribais. Desde os primórdios da humanidade, os povos
lutam por espaço físico e pelo poder sobre outros e com os indígenas não tem
sido diferente.
O antropólogo Carlos Moreira Neto, no livro acima
citado, sobre os índios e a ocupação da Amazônia, faz referência a vários povos
indígenas que foram eliminados por grupos rivais. Entre eles se encontra os
Tapajós, na região onde hoje se localiza a cidade de Santarém no Estado do
Pará, que foram dizimados pelas guerras com os Mundurucu e os Kayapó.
Os poucos registros sobre os Xipaya e Kuruaya, nos
rios Iriri e Kuruá, no Oeste do Pará e as narrativas orais de seus
remanescentes dão conta de que, no final do século XIX estavam também sendo
dizimados pelos Kayapó. Poém, não foram totalmente eliminados porque se
misturaram com os seringueiros que ali chagaram, conforme registrou Marlinda
Melo Patrício, em sua dissertação de mestrado:
Para se ter
uma idéia, antes da chegada do colonizador a região do Iriri-Curuá era um lugar
de grandes conflitos intertribais. Os Kaiapó, em seu movimento de expansão,
eliminavam as outras etnias menos belicosas que iam sendo encontradas em seu
caminho ou defrontavam-se em lutas sangrentas com os que resistiam ao avanço.
Em todos os relatos que ouvi falavam ‘do medo da brabeza e que as maldades eram
grandes, os Kaiapó botavam todos para fora, a vida deles era roubar e matar.
Mataram minha tia, roubaram o menino irmão dela, por.causa disso o índio veio
no meio do cristão” (entrevista realizada em out/99). [35]
Já no século XVI, Jean de
Léry, um dos primeiros protestantes envidados ao Brasil em 1557, convivendo com
os indígenas por cerca de dois anos, deixou registrado em seu livro “ Viagem à
Terra do Brasil” e publicado em 1578,
a seguinte relato sobre as guerras intertribais, bem no
início da colonização do país.
Os nossos
tupinambás tupiniquins seguem o costume de todos os selvagens que
habitam esta quarta parte do mundo, que se estende por mais de duas mil léguas
desde o estreito de Magalhães, a cinquenta graus na direção do Pólo Ártico.
Sustentam uma guerra sem tréguas contra várias nações dêsse pais porém seus
mais encarniçados inimigos são os indígenas chamados margaiá (...)
Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros,
porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com
os despojos dos vencidos ou o resgate
dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam êles próprios serem impelidos
por outro motivo: o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado... [36]
Sendo
os indígenas impelidos a entrar em guerra, para vingar seus antepassados mortos
e comidos por eles, certamente tratava-se de um costume milenar, muito comum entre povos
primordiais. Isso é coerente com a informação dada por Manuel Diegues Junior
sobre a origem dos grupos indígenas brasileiros. Segundo ele, os Aruaques, que
predominaram a região “...usavam
extinguir os grupos inimigos, matando os homens e incorporando as mulheres dos
vencidos ao seu grupo ”.[37]
Esses era também o costume do povo Yanomami, que, em
vingança pela morte de algum parente, atacavam outras aldeias, quando matavam
os homens e raptavam as mulheres e crianças. Somente depois do contato
definitivo e o relacionamento amistoso com os é que essas guerras foram
aplacadas. Também os Zo’é relatam experiências de confronto no passado com um
grupo chamado Tapu’ãi, que provocou enormes baixas ao seu povo. Ainda hoje,
quando vêem qualquer vestígio estranho na mata, temem ser os Tapu’ãi que estão
vindo para lhes atacar. Outra experiência relatada por eles refere-se a um povo
canibal chamado, Apãm, que também vitimou os seus antepassados.
PODEM OS GRUPOS MINORITÁRIOS
SOBREVIVER NO ISOLAMENTO?
O antropólogo e pesquisador Tomhas N. Headland [38]
apresenta um resumo de cinco estudos científicos de renomados pesquisadores,
que comprovam a tese da inviabilidade de grupos de baixa população, manterem-se
isolados. Com isso, conclui que grupos
com população abaixo de 200 (duzentas) pessoas não podem sobreviver sem cair no
incesto ou entrar na exogamia, levando o grupo à extinção.
Headland também apresenta estudos de duas maiores
referências germânicas: Michael S. Alvard (1973), o qual demonstra que os povos chamados “primitivos” não vivem em
harmonia com o ambiente como pressupõe a teoria do neo-funcionalismo; e
Jared Diamond (1993), que mostra o caso de uma população que, após chegar a
apenas 400 pessoas, não tinham mais condições de sobreviver por problemas
genéticos devido a casamentos com parentes muito próximos.
O argumento de que o índio deixado em paz sem
interferência tem perpetuado a sua existência, segundo Headlande, é uma falsa
proposição, pois é um argumento tautológico, que se baseia apenas nos grupos
ainda vivos, esquecendo-se dos que foram extintos, com ou sem contato.
Além do mais, o censo
populacional dos
Zo´é, Araras do Pará, Araweté, Parakanân e outros grupos contatados nos últimos
anos, refletem esses dados, pois todos eles tinham uma população abaixo de 200
pessoas. Situação mais grave é a dos Avá-Canoeiro, na reserva, Serra da Mesa,
em Goiás, contando apenas 06 indivíduos e os dois homens, remanescentes de uma
tribo Tupi-Guarani, contatados a pouco tempo e levados para morar junto dos
Guajá no Maranhão. Também, o Correio Brasiliense de outubro de 1999 apresentou
matéria citando um levantamento feito pela Funai, o qual “... mostra que há pelo menos 890
índios isolados, nome dado aos que nunca tiveram contato com a civilização,
instalados em cinquenta pontos da Amazônia...”, (Grifo nosso), média
de 17 pessoas por grupo identificado.
Se os índios isolados estivessem protegidos, não seria mais lógico encontrar
uma grande população ao invés desses pequenos grupos lutando para sobreviver?
QUEREM OS INDÍGENAS VIVER NO ISOLAMENTO?
Uma das maiores afrontas
aos índios é a tendência que certas pessoas e entidades têm de impor a eles o
seu destino, como se fossem pessoas incapazes. A idéia do isolamento é uma
delas, pois não é levada em conta o que os índios pensam sobre o assunto. Mas
quem deu a essas pessoas o título de semi-deuses para determinar o que os
índios devem ou não fazer?
Numa matéria exibida pelo
programa “Fantástico”, da Rede Globo, sobre os índios isolados, por ocasião dos
500 anos do Brasil, quando pregavam isolamento e a proibição do ensino da Bíblia
nas aldeias, um índio terena declarou indignado: “Aonde
fica a palavra do índio nessa história? Quem deu a essas pessoas a autoridade
de falar em nosso nome?
Também o jornal, “Correio
Brasiliense”, de 12 de março de 2002, numa entrevista com, Jeremias Pinita’awe
Tsibodowapré, da tribo Xavante, assim declarou: “ Jeremias admite que viver na cidade é um risco para as tradições.
‘Mas ficar na aldeia com arco e flecha é utopia. (...) Nós queremos melhorar o
nosso padrão de vida, e estamos preparando a nova geração para o futuro.”
Como são poucos os que podem se manifestar, é
necessário lançar mão das palavras de alguns sertanistas e antropólogos que procuram
repassar o pensamento daqueles que ainda não podem se expressar, como é o caso
dos índios isolados. O sertanista e ex-presidente
da FUNAI, Apoena Meireles, que atuou em várias frentes de atração, declara
como muita convicção:
Costumeiramente se diz que o índio em
estado primitivo está feliz. Não é bem assim. É preciso muita falta de visão e
sensibilidade para se afirmar que a sociedade primitiva deseja permanecer
estável”
É
bom esclarecer que a partir do momento em que ela se aproxima dos civilizados,
à procura de um machado ou de um facão, se manifesta a vontade de encontrar outros
meios para desenvolver. (...) Eles aceitam o nosso contato porque estamos
oferecendo, realmente, uma opção, um meio de vida melhor. [39]
Até mesmo alguns antropólogos como
Dominique Gallois, que defendiam o isolamento, hoje afirmam que os índios não
querem mais continuar nesse estado:
A MNTB, e
depois a Funai, promoveram intervenções cujo objetivo declarado era garantir e
preservar o “isolamento” desta etnia. Uma decisão unilateral, que contrasta com
o interesse dos Zo’é em ter acesso ao mundo exterior, em ritmo e segundo
categorias de entendimento próprias. Desde que optaram por estabelecer relações
de convívio permanente com os brancos em 1987, os Zo’é manifestam uma
curiosidade crescente em desvendar e controlar o mundo à sua volta: desejam
maior contato com os brancos, querem mais objetos, querem visitar a cidade,
querem conhecer outros índios.[40]
Muitos
grupos indígenas consideram ser eles próprios os agentes do contato e até
possuem o conceito de terem amansado os “brancos”. Portanto, isolar o índio que gostaria
de se integrar é desumanidade. É uma forma segregacionista, arbitrária e
etnocêntrica, tão ofensiva quanto a integração forçada, hoje condenada pelos
isolacionistas.
ATÉ QUANDO VIVERÃO NO ISOLAMENTO?
Considerando que o Estatuto
do Índio defina como índios isolados apenas aqueles que não têm nenhum contato
ou apenas “contatos eventuais com
elementos da comunhão nacional”, criou-se posteriormente a categoria de “índios recém contatados” para abrigar
os vários grupos indígenas tais como os Zo’é, os Matis, os Awá Guajá, os
Araweté e outros, cerca de 30 anos ou mais de contato regular com a sociedade
nacional e até internacional, que adentram livremente em suas terras. No
entanto, percebe-se que esse pseudo isolamento
é apenas uma fachada, pois jornalistas e pesquisadores de todo o mundo entram
frequentemente nessas áreas, gravam, reproduzem e vendem suas imagens e
introduzem uma série de costumes exógenos à cultura local, como aconteceu
também no Parque Nacional do Xingu, criado pelos irmãos Villas Boas.
Outros
grupos contatados há muito mais tempo como Yanomami, Ihupdê, Arara da Cachoeira
Seca, dentre outros que, por razões alheias à vontade indígena, passaram a ser
também considerados de recente contato e suas terras restritas a entrada de
pessoas que não pactuam com a ideologia vigente. Mas ao que parece, não há
nenhum critério legal que determina quais grupos devem ser considerados “recém
contatados” e nem tampouco até quando permanecerão nessa categoria.
Diante do exposto, percebe-se que esse pseudo isolamento proposto, tanto para
os índios ainda isolados como para os “recém contatados” não visa simplesmente
proteger os índios e sim defender uma ideologia preconceituosa e interesseira
por parte de várias organizações não governamentais que representam interesses
internacionais infiltradas no órgão tutelar brasileiro. Urge então que essa política
pública sobre os isolados e “recém contatados” seja devidamente avaliada e
reformulada para que esses indígenas não sejam privados de seus direitos
constitucionais, sem, contudo, serem forçados ao contato com a sociedade
envolvente e da mesma forma ao “não contato”, em detrimento da vontade de cada
comunidade envolvida.
.................................................
Adaptado e atualizado de: CASTRO, Onésimo Martins de. Índios isolados: proteção, exclusão ou dominação. In: LIDÓRIO, Ronaldo. (Org.). Índios do Brasil; avaliando a missão da Igreja. Viçosa, Ultimato, 2002, p. 217-232
TEMAS RELACIONADOS
Índios isolados: é hora de rever a política do não contato?
Protecting isolated tribes http://science.sciencemag.org/content/348/6239/1061.full
Isolados por opção - http://istoe.com.br/122961_ISOLADOS+POR+OPCAO/ (?)
[2]
ibdem
[4]
Ofício 208/00-JB e 209/00 de 14 de junho de 2.000 – Denúncia feita pelo Deputado Federal, Josué
Bengtson, ao Ministério Público Federal e ao Ministério da Justiça, sobre o
grande fluxo de estrangeiro nas aldeias Zo’é.
[5]
Nilson Lages. Os grandes enigmas de nossa história.Otto Pierre Editores, R. Janeiro,
1982
[6]
Adélia Egrácia de Oliveira. Os Índios Juruna do Alto Xingu. In: Dédalo ano VI, n.º 11-12, junho- dezembro
1970, São Paulo, Museu da USP, 1970, pp. 15-43
[7]
José Porfírio F de Carvalho. Waimiri Atroari a história que ainda não foi
contada. Brasília, J.P.F.C.,1982.
[8] Darcy Ribeiro. A Política Indigenista Brasileira. Rio
de Janeiro, Edições SAI, 1962
[9]
Revista Manchete, 02 de novembro de 1996
[10]
Darcy Ribeiro. Os Índios e a Civilização, 5ed. Petrópolis, E. Vozes,
1986, p.240).
[11] Darcy
Ribeiro, 1962 (op.cit.)
[12]
Correio Brasiliense, 13 de abril de 2003.
[13]
José Porfírio F de Carvalho. Waimiri Atroari a história que ainda não foi
contada. Brasília, J.P.F.C.,1982.
[14]
Shelton H. Davis. Vítimas do
Milagre: O desenvolvimento e os índios. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978,
pp.89-104.
[15]
Davis, 1978 (op. cit.)
[16]
Eduardo Viveiros de Castro. Araweté - O
povo do Ipixuna. São Paulo, CEDI, 1992, pp. 177.
[17]
Globo Repórter”, 17 de maio de 1989 referente ao contato com o povo Zo’é no
Pará.
[18]
Eduardo Viveiros de Castro. Araweté - O
povo do Ipixuna. São Paulo, CEDI, 1992, pp. 177.
[19]
Nome dado anteriormente a esse grupo, por usar um adorno labial feito de uma
madeira com esse nome.
[20]
Shelton H. Davis. Vítimas do
Milagre: O desenvolvimento e os índios. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978,
pp.93
[22] [22]
Shelton H. Davis. Vítimas do
Milagre: O desenvolvimento e os índios. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978,
pp.100
[23] Jean de Lery, 1578 (op. cit.)
[24]
Francisco Leonardo Schalkwijk. Índios do
Brasil. In: Fides Reformata. Janeiro
-junho de 199, pp. 39-58
[25]
Huthe A. Tarker. “…Até os Confins da
Terra”. São Paulo, 1986, E. Vida Nova
[26]
Relatório do Trabalho Missionário Zo’é (Poturu) – Equipe da MNTB, Santarém,
1993
[28]
Dr. Humberto Jaques de Medeiros. Mandado de Segurança. Ministério Público
Federal, Brasília, 1998, pp. 12
[29]
Darcy Ribeiro. Os Índios e a Civilização, 5ed. Petrópolis, E. Vozes,
1986, p.240).
[30] Carlos
de Araújo Moreira Neto. Índios da Amazônia, de maioria a minoria. (1750-1850),
Petrópolis, E.Vozes 1988, pp.99.
[31]
WAGLEY, Charles. Lágrimas de Boas Vindas, Editora da Universidade de São Paulo,
1988, pp. 60.
[32]
Mauro Moura. Brasil Indígena. Ano I,
N.º 04 – Brasília/DF, Mai-Jun/2001
[33] Dominique T. Gallois e Luís Donizete 13.
Grupioni, Aconteceu Especial 18, Povos
Indígenas no Brasil 1987/88/89/90. São Paulo: CEDI, 1991, p.210)
[35]
Marlinda Melo Patrício. Índios
de Verdade. O caso dos Xipaia e Curuaia em Altamira –Pará. UFPa, Belém,
2000, pp.57
[36]
Jean de Léry.Viagem à terra do Brasil
(1578). São Paulo, Livraria Martins
Editora, [s.d.] 3ed. pp. 165
[37] Manuel Diegues Junior, Etnias e culturas
no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977, pp. 54
[38] Tomhas N. Headland. Five biblio
references on the viability of small populations, E. U. A., 1998
[39] MEIRELES, Apoena. Revista
Atualidade Indígena ano III no. 18, set/out. de 79
Um comentário:
Interessante! Se os contatos efetivados por missionários ou com a participação deles forma bem sucedidos, não seria mais correto a Funai convidá-los para discutir esse assunto e inclusive contar com a presença deles na aproximação e proteção dos grupos isolados?
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