O
IMPERIOSO DESAFIO DA OBRA INACABADA
Onésimo
Martins de Castro
FONTE: Revista Internacional de Missiologia –Rimi n. 3 2025
RESUMO
Este artigo tem por objetivo promover
reflexões sobre o histórico de plantação da Igreja de Cristo em nossa nação e o
desafio da obra ainda inacabada. Para tal, adotou-se como ponto de partida um
diálogo metafórico no primeiro capítulo do livro “O clamor do mundo” de
Oswald Smith”. Neste capítulo intitulado "A derrota de Satanás”, o autor aborda
de forma ilustrativa a luta das hostes espirituais contra o avanço da
propagação do evangelho aos povos não alcançados. A analogia foi aqui aplicada ao
contexto histórico da evangelização no Brasil, tendo por base relatos de experiências
registrados por Jean de Léry no seu livro “Viagem à Terra do Brasil” e “Índios
Evangélicos no Brasil Holandês” de Francisco Leonardo Schalkwijk. Levando-se
também em consideração os registros históricos dos impulsos e retrocessos da
missão da Igreja de Cristo ao longo dos séculos, com enfoque principal no
processo de evangelização dos povos indígenas neste país. Assim, o diálogo
alegórico busca refletir o histórico de avanços e recuos da obra missionária
neste solo pátrio, pontuando como reflexão o desafio da obra ainda incompleta e
a necessidade de uma postura mais proativa da Igreja de Cristo no cumprimento
da Grande Comissão.
Palavras-chave: Evangelização; Povos
indígenas; Obra inacabada.
ABSTRACT
This article
aims to promote reflections on the history of the planting of the Church of
Christ in our nation and the challenge of the still unfinished work. To this
end, a metaphorical dialogue in the first chapter of the book “The cry of the
world” by Oswald Smith was adopted as a starting point. In this chapter,
entitled “The Defeat of Satan,” the author illustratively addresses the
struggle of the spiritual hosts against the advance of the propagation of the
gospel to unreached peoples. Here, the analogy is applied to the historical
context of evangelization in Brazil, based on accounts of experiences recorded
by Jean de Léry in his book “Journey to the Land of Brazil” and “Evangelical
Indians in Dutch Brazil” by Francisco Leonardo Schalkwijk. It also takes into
consideration the historical records of the impulses and setbacks of the
mission of the Church of Christ over the centuries, with a focus on the process
of evangelization of Indigenous peoples in this country. Thus, the allegorical dialogue seeks to reflect the history of advances and setbacks of the missionary work in this
homeland, highlighting as a reflection the challenge of the still incomplete
work and the need for a more proactive stance by the Church of Christ in
fulfilling the Great Commission.
Keywords: Evangelization;
Indigenous peoples; Unfinished work.
INTRODUÇÃO
“Então, ouvi grande voz do céu, proclamando: Agora, veio
a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade do seu
Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os
acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus. Eles, pois, o venceram por causa
do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que
deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida. Por isso,
festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais. Ai da terra e do
mar, pois o diabo desceu até vós, cheio de grande
cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta.” Apocalipse. 12:10-12
O eminente
pastor e escritor Dr. Osvald Smith, no seu livro “O Clamor do Mundo”, publicado
no Brasil em 1969, apresenta uma brilhante obra de ficção sobre a preocupação
de Satanás com avanço da propagação do Evangelho conforme proposto pelo Senhor
Jesus. Essa analogia é registrada no seu primeiro capítulo intitulado “A derrota
de Satanás”, onde explana sobre frequentes reuniões de Satanás com seus
demônios, enviados como guardiões do império das trevas nas regiões onde o evangelho
ainda não havia sido anunciado (SMITH, 1969).
Nesse texto
ilustrativo da batalha espiritual nos campos missionários, o autor aponta a
luta de Satanás tentando impedir que o evangelho chegasse em várias partes do
mundo tais como o Alasca, Tibet, Afeganistão e outros territórios ainda não
alcançados. Mas, pelo mover de Deus, levantando obreiros destemidos e prontos a
pagar o preço e a Igreja que se envolveu na obra, principalmente, em oração, as
forças do mal não resistiram e as portas do inferno foram derrubadas nesses
países (SMITH, 1969).
Considerando o
impacto que essa analogia tem produzido em tantas vidas ao redor do mundo,
julgo importante parafraseá-la, aplicando ao processo de evangelização no
Brasil, enfocando, principalmente, os povos indígenas desta terra e o desafio
da obra ainda inacabada.
O desafio é decorrente
dos povos nativos no Brasil, à semelhança de tantos outros, terem ficado por
séculos preteridos quanto ao recebimento da mensagem de salvação que Jesus determinou
a seus discípulos fosse pregada a toda criatura e a todas as etnias. Não
obstante, os historiadores tenham registrados que todo o mundo conhecido na
época fora evangelizado até o final do Século III, somente nos Séculos XV e XVI
o cristianismo chegou às terras mais remotas. Porém, um cristianismo
predominantemente secular e ainda desprovido do real cumprimento da Grande Comissão
dada pelo Senhor Jesus cerca de 1500 anos antes, quando disse: “Mas recebereis
poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto
em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até os confins da terra.” Atos
1:8
E, mesmo
quando houve as primeiras iniciativas de anúncio do genuíno evangelho nestas
paragens, esta ação teve seus impulsos e percalços ao longo dos séculos, à
semelhança dos fatos históricos nos séculos passados. Portanto, com objetivo de
entender os pontos fortes e fracos no processo de avanço da Igreja de Cristo em
nossa terra, lançamos mão desta abordagem metafórica, apresentando a luta do
império das trevas contra o avanço do Reino, desde a colonização do Brasil e
até o presente. O desafio permanece ainda vigente atualmente, o que demanda proatividade
da Igreja, tanto em oração como em ação direta a favor dos povos não
alcançados.
SÉCULO XVI DC
No final do
Século XVI, pouco tempo após a proclamação da Reforma Protestante e cerca de 60
anos do descobrimento do Brasil, Satanás convoca os seus príncipes, enviados
como guardiões do território brasileiro e questiona-os autoritariamente.
— Meus
guardiões desse vasto território! Por muitos séculos temos mantido nosso
Condado totalmente isolado dos mensageiros do dito Rei dos Judeus e assim todos
os nativos desta terra foram mantidos distantes da mensagem que ele mandou
pregar a todos os povos.
— Então
contem-me quais são as notícias atuais! Determinou Lúcifer, olhando duramente e
com expressão de curiosidade, o rosto do demônio que estava à sua frente.
— Não tão boas
mais, meu senhor! — respondeu o príncipe das trevas no Brasil.
— Não
guardaste bem o seu território da propagação da mensagem que os colonizadores
europeus podem ter trazido? — vociferou o príncipe da potestade do ar.
— Sim! — replicou
o príncipe, inclinando-se temerosamente.
— Tenho lutado
muito para que isso não aconteça — declarou sem muita convicção.
— Então houve
já alguma tentativa de persuadi-los à sua fé? Insistiu, com tom de
autoritarismo e desconfiança na voz.
— Sim. Em 1500,
os ditos cristãos chegaram aqui e tomaram posse desta terra. Mas até agora
esses colonizadores
e propagadores da fé estrangeira não conseguiram sucesso neste território. Mesmo
que tenham fincado ali na praia o símbolo de sua crença e feito o seu ritual,
que chamam de Missa, fizemos de tudo para que apenas mantivessem esse ritual
religioso e, dessa forma, não ensinassem de maneira clara a mensagem que
poderia levar os nativos a crerem naquele que disse ser “o caminho, a verdade e
a vida”.
— Muito bem! Exclamou
o líder máximo do império das trevas. Fizeste um bom trabalho! Mas então,
nenhum nativo ouviu a mensagem dos ditos reformadores?
— Infelizmente
alguns ouviram, meu senhor! Um pequeno grupo de Huguenotes foi enviado por João
Calvino, conhecido como um dos reformadores, em uma das comitivas francesas que
vieram também tomar posse de nossa terra. Um deles, por nome Jean de Léry, foi
mais ousado e penetrou a selva brasileira na região Sudeste e, por algum tempo,
esteve com os nativos aprendendo sua língua e tentando falar-lhes sobre sua
crença. Mas, chamei meus demônios auxiliares e conseguimos mudar a cabeça de
Nicolas Durand de Villegagnon, que comandou essa comitiva, a renegar sua
fé e aliar-se aos demais religiosos que chegaram antes deles. Com isso,
levantamos uma forte perseguição contra esses ditos reformados, levando alguns
à morte por serem considerados hereges em relação à religião dos colonizadores.
E o audacioso Jean de Léry foi deportado de volta para França, cessando a obra
que haviam começado.
— Ainda bem
que conseguiram esse feito! Bradou Satanás com triunfo.
Esse primeiro
episódio ilustrativo reflete bem os acontecimentos da primeira tentativa de
evangelização do Brasil na década de 1550 e está registrado no livro Viagem à
Terra do Brasil, de Jean de Léry, publicado no Brasil no final do Século XX. (LÉRY,
1961). Porém, à semelhança do que ocorreu com os Judeus na reconstrução do
Templo em Jerusalém, por determinação de Ciro, o persa, houve também aqui uma
lacuna de cerca de aproximadamente 100 anos sem nenhum registro de novo esforço
missionário no Brasil. Até que novo movimento missionário se levantou na
Holanda, conforme registrado pelo teólogo e historiador, Rev. Francisco
Leonardo Schalkwijk, em seu artigo “Índios Evangélicos no Brasil Holandês. (SCHALKWIJK,
1997)
SÉCULO XVII DC
Esse novo movimento,
embora ainda incipiente, voltou a incomodar o império das trevas. Isso porque,
na comitiva holandesa enviada na tentativa de tomar posse de parte deste solo
pátrio, vieram também pastores e líderes protestantes e deram início à
evangelização do Brasil. Estabelecendo-se no Nordeste brasileiro, plantaram
Igrejas, ordenaram pastores, e chegaram até a se organizar em Concílio. Escolas
foram implementadas, formaram professores, inclusive indígenas, que foram
contratados para essa função.
Diante disso,
Satanás convoca nova reunião e os príncipes das diversas regiões do Brasil
compareceram para prestar seus relatórios. E o príncipe do Sudeste, onde a
primeira tentativa dos Huguenotes havia sido sufocada, foi o primeiro a prestar
seu depoimento.
— Então, príncipe
do Sudeste, como está hoje o seu condado? Bradou receoso o líder do império das
trevas.
— Sim,
Majestade! Reforçamos nossa estratégia e, até onde sabemos, em nossa região
predomina apenas a religiosidade tradicional, que mesmo imposta aos nativos,
não tem produzido transformação espiritual de suas vidas como proposto por nosso
Arqui-inimigo. Alguns resistiram e fugiram para o interior do país, mas outros
apenas aderiram a esse costume religioso, que se fundiu com suas crenças
nativas, tornando-os mais resistentes ainda àquela mensagem que os reformadores
estão propagando em muitas partes do mundo.
— Ótima
estratégia! Exclamou o anjo caído. — Assim ficam satisfeitos, não tendo que
deixar seus rituais e, dessa forma, continuarão debaixo de nosso domínio.
— E tu, príncipe
do Nordeste! Guardaste bem o seu território? Inquiriu preocupado.
—
Lamentavelmente não conseguimos — Exclamou cabisbaixo.
— Por mais
guardiões que pude enviar para nossa jurisdição, não pudemos evitar que
entrassem em nossa região. Uma comitiva holandesa também decidiu tomar posse desta
terra e com eles vieram alguns líderes reformados, apoiados por seus parceiros
na Europa. Estes ficaram intercedendo por eles junto ao seu Chefe Supremo, que
enviou seus anjos para os proteger e, por longo tempo, não pudemos resistir-lhes.
— Mas
conseguiram convencer alguém a essa nova crença? Bradou Satanás horrorizado!
—
Lamentavelmente sim, meu grande chefe! Não tivemos forças para resistir e
muitos aderiram às suas crenças e até criaram congregações religiosas
protestantes, que chamam de Igreja. Ensinaram os nativos a lerem e, com acesso
à mensagem escrita que os estrangeiros pregavam, alguns desses adeptos foram
designados como professores e até mesmo como líderes religiosos dessa nova
seita. — Disse envergonhado o príncipe do Nordeste.
— Não pode
ser! Bradou Satã furioso.
— Calma, senhor!
Interpelou confiante esse submisso serviçal.
— Como não podíamos atacá-los diretamente,
devido à proteção que tinham de seu Chefe Supremo, levantamos os líderes
políticos e os seguidores da religião tradicional para atuarem a nosso favor.
Estes, mediante uma guerra sangrenta, expulsaram os holandeses, prenderam e
sacrificaram alguns nativos que haviam aderido à sua crença. Com isso, muitos
nativos negaram a nova fé e outros fugiram para a Amazônia e, dessa maneira,
fizemos cessar a obra que já estava em andamento.
— Menos mal!
Manifestou Lúcifer, ainda com colérica preocupação.
— E tu, príncipe
da Amazônia? Pelo que tenho visto, ao rodear a terra e passear por ela, parece-me
que foste mais bem sucedido, não é? Inquiriu o líder dos anjos caídos.
— Sim,
admirável senhor! Temos sido fiéis às suas ordens e guardado com eficácia o
nosso território. Temos usado muito bem a floresta tropical como esconderijo
destes nativos, não só para os que já habitavam da Amazônia, mas também para os
que fugiram, principalmente, do Nordeste e do Centro-Oeste. Ali praticam
livremente seus rituais de manipulação das forças ocultas, sem que esses
religiosos venham importuná-los com seus ensinamentos.
— Também,
temos provocado guerras entre eles, eliminando diversas etnias, na tentativa de
evitar que sejam representadas diante do trono daquele que pretende estabelecer
seu Reino Eterno e, dessa forma, podermos levar mais pessoas para eternidade
conosco.
— Esplêndido! Exclamou
o príncipe deste mundo tenebroso. Continue assim, meu caro príncipe. Trabalhe
para que a Amazônia continue inexplorada e dessa forma, manteremos grande parte
desse imenso país, controlado por nós.
Lamentavelmente,
o movimento protestante que se iniciou pelo Nordeste, estava vinculado à
conquista daquela região pelos holandeses. Com isso, segundo o Rev. Francisco
Leonardo registrou, uma sangrenta guerra foi travada pelos portugueses contra
os holandeses na disputa desse território e atingiu em cheio a Igreja recém-plantada.
Com a expulsão dos holandeses, a Igreja perseguida foi sufocada, criando um vácuo
de aproximadamente 200 anos no processo de evangelização do Brasil.
SÉCULO XIX DC
Não obstante a
semente do evangelho tenha sido lançada pelos holandeses, e produzido frutos, esse
espaço de tempo gerou um prejuízo incalculável quanto ao número de almas que
poderiam ter sido libertas do império das trevas para o Reino de nosso Senhor Jesus
Cristo, como descrito em Colossenses 1:13. Não que a promessa do Senhor Jesus à
Igreja de que “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” tenha perdido
sua eficácia. Mas, sim, pela falta de iniciativa missionária específica da
Igreja nos países europeus e na América do Norte para o cumprimento da Grande
Comissão aqui no Brasil.
Porém, passado
esse longo período de inércia na evangelização do Brasil, Satanás fica inquieto
com uma nova movimentação percebida em seu território. Então convoca nova
reunião com os príncipes sob seu domínio e os inquire mais uma vez
autoritariamente.
— Então, meus
súditos, a quem tenho confiado esse imenso território, que os colonizadores
tentaram chamá-lo de “Terra de Santa Cruz”. Houve novas ameaças de invasão? Inquiriu
o anjo caído, já prevendo más notícias.
— Sim, meu senhor!
Antecipou o príncipe do Sul
— Estávamos
bem tranquilos e apenas monitorando a religião trazida pelos portugueses, já sincretizada
com as crenças tribais e dos afrodescendentes. Porém alguns imigrantes,
conhecidos com luteranos, começaram a chegar em nosso condado e construíram
capelas, onde praticavam rituais diferentes da religião tradicional. Mas
felizmente, não estavam muito empenhados a fazer prosélitos e assim pudemos
manter nosso domínio sobre a maioria dos habitantes de nossa terra.
—
Lamentavelmente o pior aconteceu em nosso território. Disse trêmulo o príncipe
do Sudeste.
— Por causa de
um movimento, conhecido como “Período das Missões Modernas”, no século passado,
muitos seguidores dessa maldita religião começaram a infestar o mundo com sua
mensagem. Inclusive, alguns deles, usando de obra humanitária conseguiram
acesso a territórios até então muito fechados. E na década de 1950, um médico
conhecido por Robert Kelley e sua esposa Sarah chegaram no Rio de Janeiro,
implementando aqui seu sistema religioso, denominado Congregacional e alguns
dos imigrantes aderiram à sua fé.
— Logo depois,
um pastor presbiteriano chamado Ashbel Green Simonton deixou a América do Norte
e aportou no Brasil em agosto de 1959. Este, com apoio dos congregacionais e
com uma força irresistível recebida de seu Chefe Supremo, implementou sua
organização religiosa que, rapidamente, se espalhou não só nos estados sob
nossa jurisdição, como também já avança em direção aos demais regiões do país.
Então quase
que a uma só voz exclamaram trêmulos os príncipes do Sul, do Nordeste e do
Centro-Oeste.
— Senhor das trevas!
Essa onda de avanço em direção ao nosso território ganhou força em várias
partes do mundo, enviando também os batistas, os metodistas e outras
denominações evangélicas. Estes, somando-se com os que haviam chegado ao
Sudeste, invadiram também nossas terras e, lamentavelmente, não pudemos resistir
a eles, visto que os anjos enviados para os proteger eram mais fortes do que
nós.
— Não pode
ser! Exclamou Satanás furioso, com vaga esperança de que pelo menos o Condado
da Amazônia ainda estivesse protegido.
— Sim senhor!
Relatou vitorioso o príncipe da Amazônia.
— Tentaram sim
invadir o nosso território, mas essas ações se limitaram às comunidades ao
longo dos grandes rios, focalizando prioritariamente os imigrantes e não os
nativos desta terra. E, usando os conflitos entre colonizadores e nativos,
forçamos os indígenas a se refugiarem no seio da floresta, dificultando o
processo de proselitismo religioso que já estava acontecendo em outras partes.
— Muito bem, príncipe da Amazônia! Boa
estratégia! Disse astutamente o anjo caído.
— Mas como
essas pessoas estão determinadas a irem até os confins da terra em obediência
ao seu senhor, precisamos agir com muita mais sagacidade agora. Precisamos
manter os nativos longe do acesso deles.
E, lembrando
das antigas estratégias usadas ao longo do tempo, bradou:
— Guardiões de
meu califado! Lembram que séculos passados, quando esse movimento avançava
aceleradamente e conseguimos freá-lo por muito tempo? — numa referência ao
período entre o decreto do Cristianismo como religião oficial e Reforma
Protestante do século XVI — Então, precisamos usar essas mesmas estratégias.
Vamos levar os adeptos dessa nova religião a se satisfazerem com o trabalho
feito até agora e assim diminuirão o espírito de conquista que os tem
impulsionado. Ao mesmo tempo, vamos provocar divisões entre eles, o surgimento
de novas doutrinas e induzi-los à imoralidade e à corrupção. Com isso seu
espírito combativo esfriará, nos deixando em paz por um pouco mais de tempo.
Se, pelo menos, deixarem os nativos isolados e sem acesso à mensagem de nosso
Arqui-inimigo, cumpriremos nossa missão. Determinou Lúcifer autoritariamente.
SÉCULO XX DC
Porém, mesmo
que a Igreja Evangélica tenha sido plantada no Brasil, derrubando as portas do
inferno e resgatando os pecadores do império das trevas, Satanás e seus anjos
continuaram mantendo certo controle sobre os territórios mais isolados.
Passaram-se ainda mais de 50 anos até que a primeira iniciativa direta de
evangelização dos povos tribais fora tomada e isso voltou a incomodar o mundo
espiritual.
Uma
organização missionária denominada “SAIN - South America Indian
Mission” estabeleceu-se entre o povo Terena no Mato Grosso do Sul em 1913.
Em 1925, um pastor batista iniciou trabalho com o povo Krahô no Tocantins. E em
1928, mediante a união das igrejas Presbiteriana do Brasil, Presbiteriana
Independente e Metodista foi criada a Missão Caiuá, em Dourados - MS. Além da
evangelização e discipulado, fundaram também escolas e hospital, onde os
indígenas foram e ainda são socorridos regularmente.
Em 1946, chegou
também ao Brasil um grande número de obreiros da NTM – New Tribes Mission, hoje
MNTB, Missão Novas Tribos do Brasil – que se espalhou por todo o território
brasileiro. No ano de 1956, foi a vez dos linguistas missionários da SIL – Summer
Institute of Linguistics (Instituto Linguístico de Verão), hoje Sociedade
Internacional de Linguística. Estas duas agências missionárias adotaram a
estratégia de fazer discípulos, treinando brasileiros para a expansão da obra;
a MNTB mais focada na educação teológica e antropológica, e a SIL em linguística
e educação. Com essas iniciativas, brasileiros passaram a fazer parte desse
projeto e outras agências foram criadas, ampliando assim a força missionária nas
terras mais remotas.
Um novo mover
de Deus levou a igreja brasileira a também se envolver com a obra, passando a orar
pelos obreiros e pelos povos não alcançados, enviando seus membros para o
treinamento transcultural e, quando prontos, ao campo missionário. Ou seja,
tornaram-se parceiras de ministério desses obreiros e das agências missionárias,
mediante apoio logístico, financeiro e espiritual, sem os quais seria quase
impossível o trabalho prosseguir. Com isso, novos territórios foram sendo
conquistados, com centenas de igrejas indígenas plantadas de Norte a Sul do
país, cumprindo-se a promessa do Senhor Jesus em Mateus 16:18. Sendo,
inclusive, organizado o CONPLEI - Conselho Nacional de Pastores e Líderes
Evangélicos Indígenas, em 22 de março de 1991, como entidade representativa da
população evangélica indígena no Brasil.
ANOS 1980 E 1990 DC
Então, no final
da década de 1980, Satanás convoca nova reunião de emergência, já prevendo sua
iminente derrota, mas tentando ainda manter parte do seu domínio já
enfraquecido. Dessa vez, redirecionou sua inquirição para seu representante na
esfera política do Brasil.
— Meu príncipe
enviado para a Capital Federal! Os guardiões do território nacional não têm
resistido à força desses conquistadores de almas. Mas tenho ainda algumas
“cartas na manga” e preciso de sua perspicaz audácia política para nos dar um
pouco mais de tempo de domínio desta nação. Vociferou Lúcifer, com vaga
esperança de vitória.
— Tenho andado
por várias partes do mundo e visto como os países já destruíram a maioria de
suas florestas e aqui a selva amazônica continua exuberante, gerando cobiça dos
países mais desenvolvidos. Envie emissários à Europa, à América do Norte e até
mesmo a outros continentes. Precisamos induzi-los a cobrar do Brasil a
preservação desta floresta e assim os nativos ali isolados serão também
preservados da ação desses mensageiros.
— Mas como
fazer isso, meu senhor? Exclamou um dos anjos caídos ali presente.
— Desafie-os a
investir recursos em organizações não governamentais, ideologicamente
comprometidas com o nosso lema, e oriente-as a fatiar a Amazônia em extensas
reservas, principalmente nas regiões de fronteira. E, depois de definidos esses
territórios, usando o argumento de autodeterminação dos povos, deverão criar
associações indígenas, disfarçadamente, controladas por seus agentes. E, com um
pouco do volumoso recurso que receberão do exterior poderão promover reuniões
de doutrinação ideológica, oferecendo estadias em hotéis, alimentação e
combustível para as viagens. E os que se destacarem ideologicamente e até mesmo
alguns “inocentes úteis” poderão ser levados à Brasília e até mesmo a outros
países para defenderem a nossa causa.
— E,
paralelamente a estas ações, vamos levantar certas autoridades contra esses
pregadores, usando o pseudoargumento de preservação cultural desses povos,
dificultando ao máximo a sua entrada e permanência nas terras sob nosso domínio.
Até porque já estão em curso projetos de expulsão de algumas equipes, onde ainda
não conseguiram anunciar plenamente a mensagem do nosso Arqui-inimigo aos
nativos.
Mas eis que
outro príncipe, ainda mais sagaz teve uma astuciosa ideia, que muito agradou o
seu senhor.
— É do
conhecimento geral que o contato programado feito pelo órgão tutelar
indigenista, desde 1910, tem registrado grande baixa populacional nessas etnias.
Então vamos criar uma boa narrativa contra essa estratégia, mesmo sabendo que
uma das causas principais dessa desgraça tem sido “a demora em efetivar o
contato”. Mas vamos ocultar o fato de que, quando efetivaram esses contatos, os
indígenas já estavam contaminados por doenças viróticas, resultado do contato
espontâneo com exploradores da floresta e com trabalhadores na abertura de
estradas no interior do Brasil. Outros motivos que também devem ser ocultados
em nossa narrativa são “a falta de cuidado com a população no pós contato e com
introdução de costumes ofensivos à vida e à cultura dos indígenas, tais como o
álcool e a prostituição”, como já documentado por alguns pesquisadores (CASTRO,
2005).
— Vamos usar
também a Mídia para acusar as missões que fizeram recentemente contato com alguns
povos isolados, usando a narrativa que estes provocaram mortes e
descaracterização cultural nestas etnias para formação de opinião das diversas autoridades
e da população em geral contra eles. E como a Academia tem florescido
ideologicamente na defesa da laicidade religiosa, serão muito bem-vindos na
formação de novos profissionais, ideologicamente defensores do isolamento dos
povos tribais. Dessa forma, conseguiremos deixá-los longe da mensagem contida
no famoso “Livro de Capa Preta” que um desses povos chamaram de mo'e ubyk
(objeto preto) e pediam que lhes fosse ensinado e desenhado (escrito) na sua
língua. Ideia que foi prontamente colocada em execução.
SÉCULO XXI DC
De fato, esse
estratagema floresceu a partir do final dos anos 1980, quando as organizações
não governamentais, financiadas com recursos da Europa e da América do Norte,
foram criadas com foco na preservação da Amazônia. E, com apoio da Mídia e da
doutrinação ideológica nas academias, deu-se início à perseguição religiosa aos
obreiros entre os indígenas. Assim diversos obreiros foram impedidos de atuar
em algumas etnias, mesmo contrariando a vontade do povo e sem nenhum motivo
legal para que essa atitude fosse tomada.
E, em nome de
preservação étnica, o príncipe da Capital Federal e seus auxiliares levaram a
entidade responsável pelas populações indígenas a criar, em 1987, o
Departamento de Índios Isolados e editar uma portaria restringindo o contato
com os povos ainda isolados no Brasil. E, como muitos grupos ainda não
devidamente evangelizados não se enquadravam mais como isolados, criou-se a
categoria de Recente Contato, mesmo depois de mais de trinta anos de
relacionamento com a sociedade nacional e internacional, restringindo o acesso
de missionários a suas aldeias. E, aproveitando a onda ambientalista, criaram as
chamadas Frentes de Proteção Etnoambiental, como respaldo para manter essas
populações debaixo dos olhos de servidores comprometidos com a pauta do
isolamento. E a elas ficaram vinculados todos os focos de presença de povos
isolados, com o argumento do “não contato” como forma de preservação étnica.
Mas então, um
dos demônios presentes naquela reunião questionou o maioral do império das
trevas.
— Seria
possível nos fazer saber, ó poderoso senhor, por que tanto te empenhas em
impedir que o conhecimento dessa mensagem chegue a esses pequenos grupos de
pessoas?
— Não sabes
que as terras indígenas no Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste estão sendo
invadidas por forças poderosas e que os nativos estão sendo levados a se
entregar ao Cristo todos os dias? E que em centenas de aldeias eles se reúnem
para adorar o nosso Arqui-inimigo e para lerem seu maldito “Livro de Capa
Preta”?
— Sei disso
perfeitamente bem. Gritou Satanás com uma mistura de frustração e raiva. E
prosseguiu:
— Mas agora
escutem bem todos e explicarei por que tenho tanto ciúme das terras remotas! Enquanto
todos se inclinavam para ouvi-lo melhor.
— Existem
diversas profecias que podem ser resumidas nesta predição. “E será pregado este
evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então,
virá o fim.”
E, indignado,
mas ainda tentando alimentar esperança, exclamou: — Sei que o fim não virá
enquanto todas as nações não tiverem ouvido as ditas boas-novas. E prosseguiu:
— Na atual
circunstância, não importa tanto quantos missionários sejam enviados aos povos
já evangelizados, nem quantos convertidos sejam obtidos, porque está escrito
que, enquanto a mensagem dele não for proclamada nessas etnias isoladas no
Brasil e em outras partes de nosso domínio, o Fim não virá.
— Portanto, sede
vigilantes e envidai todo esforço para impedir que a mensagem dele chegue a
esses povos isolados e a todos que ainda não a ouviram as ditas Boas Novas. Se
não guardarmos bem esses últimos redutos, logo virá o fim e nós seremos
lançados no lago de fogo e enxofre e bem sabemos que pouco tempo nos resta. E
AI DE NÓS QUANDO ISSO ACONTECER! AI DE NÓS! Vociferou furioso o príncipe das trevas.
E, com
desesperado furor, também bradaram todos os seus demônios.
REFLEXÃO
Esta analogia
reflete bem o que tem acontecido ao longo dos séculos de evangelização do
Brasil. Mormente com respeito aos povos isolados e outros ainda mantidos na
categoria de recém contatados, mesmo depois de mais de 30 ou 40 anos de
relacionamento com a sociedade envolvente. Não é por acaso que as únicas
pessoas que têm sido impedidas de atuar nessas terras indígenas são os
missionários e os líderes indígenas evangélicos de outras etnias.
Ao mesmo
tempo, alguns desses grupos continuam sendo tutelados e seus representantes só
saem de suas terras escoltados por agentes do órgão tutor e de representantes
das ONGs que atuam nessas terras indígenas. Até mesmo o intercâmbio com membros
de outras etnias tem sido cerceado, mesmo que a legislação vigente garanta que os
povos indígenas tenham o direito de manter e desenvolver contatos, relações e
cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político,
econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos
através das fronteiras. (ONU, 2008).
E, para
mantê-los distantes do evangelho, grande parte de nossas autoridades e a Mídia
em geral alegam falsamente que há uma proibição legal de pregação a essas
pessoas, mesmo não havendo nenhuma lei que respalde esse argumento. Muito pelo
contrário, o Art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos prescreve que:
Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou
crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou
em particular. (ONU, 1948). E a Constituição Federal do Brasil no Art. 5º
assegura que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade
[...]
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política [....] (BRASIL, 1988)
Assim sendo,
entende-se que estratégia do não contato com os povos isolados, não só
contempla o plano diabólico de adiar a volta de Jesus e o julgamento final, mas
também visa diminuir a representação de “todas os povos, tribos, línguas e
nação diante do trono do cordeiro”, como registrado em Apocalipse 7:9. E isso
está de fato acontecendo, pois alguns dos povos indígenas contatados a pouco
tempo, foram encontrados em número tão reduzido a ponto de não mais terem
condições de se reproduzirem enquanto etnia. Dentre eles alguns com apenas 4 a 6
pessoas já em idade adulta, dois homens, Awrá e Awré, sobreviventes de uma
etnia no Maranhão e o denominado “Índio do Buraco” em Rondônia, como ficou
conhecido nos meios de comunicação e que já partiu para a eternidade sem deixar
descendência.
Inclusive,
fatos históricos e pesquisas feitas por renomados antropólogos confirmam que os
povos isolados estão seriamente ameaçados de extinção. Dois antropólogos, que
monitoram oito grupos isolados por vários anos na Amazônia, mediante imagem de
satélite, confirmaram essa hipótese. Em artigo publicado a pouco tempo em uma
revista científica, citado em Opinião e Notícia (2016), consta que seu “estudo
comprovou a existência de apenas uma tribo isolada com população aumentada ao
longo dos anos, enquanto os outros sete grupos diminuíram.” (WALKER ET AL.,
2016). E isso corrobora com estudos de outros pesquisadores os quais apontam que
“um grupo isolado com menos de 400 habitantes não tem garantida a sua
existência. E com menos de 200 pessoas já estão fadados à extinção. (HEADLAND, 1998).
Diante do
exposto, soa-nos aos ouvidos o clamor do Profeta: “Passou a sega, findou o
verão e nós ainda não fomos salvos.” (Jeremias 8:20). E igualmente contundente,
ouve-se o grito silencioso dos povos ainda não alcançados: “Não vos comove isso
a todos vós que passais pelo caminho? (Lamentações 1:12).
Assim sendo, não
podemos continuar apegados ao argumento de que “no tempo certo Deus
providenciará um meio para que os povos de acesso fechado sejam alcançados”. Muito
pelo contrário, precisamos, em obediência e dependência do Senhor, dar passos
concretos e ousados para que essas barreiras sejam derrubadas. Pois, como lemos
em I Pedro 4:7, “o fim de todas as coisas está próximo” e a oportunidade de conhecerem
o evangelho e crerem no Senhor Jesus está passando para muitas dessas etnias.
CONCLUSÃO
Diante dos fatos
ilustrados pela alegoria apresentada ao longo deste texto, propõe-se que as
lideranças das agências missionárias e os líderes denominacionais desafiem as
igrejas a um movimento nacional e internacional de oração pela obra ainda
inacabada, rogando ao Senhor, criador e controlador de todo universo que de
maneira miraculosa:
1.
quebre as barreiras que impedem a presença
missionária entre os povos indígenas ainda não evangelizados;
2.
mude a mentalidade de nossas autoridades e de representantes
de entidades envolvidas na questão indigenista;
3.
envie mais trabalhadores para a Sua Seara, como
o próprio Senhor Jesus desafiou os seus discípulos a orarem;
4.
e desperte a Igreja de Cristo a se levantar
como um só povo, indo ao campo, enviando, orando e sustentando os projetos
missionários. E nessa relação de parceria, libertando os cativos “do império
das trevas para o Reino do Filho do Seu amor” (Colossenses 1:13).
Pois sabemos que,
quando a Igreja de Cristo unida se põe à obra, como aconteceu com os Judeus na
reconstrução do Templo em Jerusalém, fato registrado nos livros de Ageu e
Esdras, “as portas do inferno não prevalecem” contra o avanço do Reino (Mateus
16:18). E mesmo que os guardiões do império das trevas continuem lutando com
todas as suas artimanhas, barrando muitas vezes o caminho, como registrado por
nosso irmão Paulo em I Tessalonicense 2:18, o “evangelho do reino será pregado
em todo o mundo, em testemunho a todas as nações e então virá o fim” (Mateus 24:14).
E assim, representantes de todas as nações, tribos, povos e línguas estarão
diante do trono e diante do Cordeiro, entoando o maravilhoso cântico: “Ao nosso
Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação.” (Apocalipse
7:9). E para que isso aconteça, basta que cada um de nós diga ao Senhor como
disse o Profeta: “Eis-me aqui, envia-me a mim” (Isaías 6:8).
Para melhor entender esta alegoria, leia
também “ESPERANDO A VOLTA DO CRIADOR – Expectativa messiânica de um povo
indígena ‘isolado’ na Amazônia”.
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REFERÊNCIAS